no que toca a odiar desconhecidos, nunca fui muito bom.quer-me parecer que sou mais impulsivo e tenho a mania de odiar quem me está mais próximo. sempre me pareceu mais simples odiar a minha mãe por não me ter deixado ir ver aquele concerto que em criança, me teria deixado extasiado. eu tinha 9 anos e o concerto era na capital, como na altura, que ainda não tinha brotado o fungo festivaleiro. é claro que seria mais certo ter odiado o meu pai nesse instante, porque foi ele que passou a batata quente: "é melhor perguntares à tua mãe". assim que me apercebi disto, passei a odiá-los ambos porque, de qualquer forma, foram eles que me tinham posto ao mundo. e o meu mundo nessa noite foi o meu quarto e não o estádio de alvalade, onde decorria o concerto.
depois, passei a odiar os meus avós, porque cedo me apercebi que em princípio, durariam menos dias que eu e teria de andar o resto do tempo a imaginá-los e não a vivê-los. é claro que hoje, que ainda estão vivas as minhas avós, temo o contrário, dado o meu tipo de alimentação e vida, mas isso são pormenores.
aprendi assim a ir odiando frentes próximas. claro que a diferentes intensidades. chegando a exercitar o meu poder vingantivo nelas, de forma a que na altura me apercebesse que para um catraio de 10 anos, o melhor mesmo é jogar pelas regras da casa e não fazer muito barulho até daí a oito anos (e mesmo assim, só se não necesitar de apoio).
foi assim e durante muito tempo que me conseguia tolerar e compreender a mim e a não tolerar nem a compreender os outros. por que raio é que um alemão odiaria um senegalês sem como nem porquê? como é que um português odiava um francês só pela cor da pele? como é que um norueguês odiava um espanhol apenas pela t-shirt? as perguntas eram muitas e respostas, poucas ou nenhuma. e a meio deste caos aparece o meu irmão.
eu, que tinho sido filho único até então, conseguia ter a minha opurtunidade de odiar alguém só porque me iria roubar espaço, atenção, ou a longo prazo, partilhas. não o consegui fazer. apaixonei-me pela ideia de companhia que daí advinha e esperei alguns meses até que ele viesse ao mundo, abrisse os olhos e começasse a falar. foi só aí que o comecei a odiar. a estupidez de sons, depois a falta de vocabulário e por fim a não
articulação completa das palavras dava-me voltas. aliado à falta de locomoção e borrar-se sem mais.
continuei assim vida fora, odiando o vizinho que me batia quando lhe apetecia, a vizinha que não me ligava, a outra vizinha que me ligava, etc. na escola também fui bom odiador, tendo odiado quase todos os meus colegas e 60% dos professores. mas nunca escolhia de antemão nada, muito pelo contrário, deixava cada um ser o que era, e depois eu era apenas eu próprio. odiava normalmente, como hoje, pela burrice, intolerância, mesquinhez, hipocrisia, ganãncia e filha-da-putice.
por exemlo, o vizinho ali à berma da estrada, não tenho nada contra ele, muito embora nutra um especial ódio pelo contínuo ladrar do seu canino noite dentro.