Caga Sentenças

Todo o Português caga a sua sentença. Neste espaço venho deixar a minha poia.

sábado, agosto 19, 2006

Efeito borboleta



“O bater de asas de uma simples borboleta num extremo do globo terrestre pode provocar uma tormenta no outro extremo no espaço de tempo de semanas.” É assim que comummente que se descreve o efeito borboleta, parte da teoria do caos.
O efeito borboleta demonstra matematicamente a impossibilidade de efectuar previsões meteorológicas de extrema precisão, pois para além de os dados de alimentação serem infinitos, deveriam ser de uma precisão infinita tal como a memória de processamento de dados. Sendo impossível dispor de tal sistema é igualmente impossível efectuar uma previsão perfeita segundo estas bases.
Tal é possível aplicar a quase tudo o que se possa imaginar no quer respeita a previsão futurológicas, sejam elas as da astróloga Maya, as do psico-historiador Hari Seldon na série de ficção científica “Fundação” de Isaac Asimov ou qualquer previsão do que o futuro reserva quando uma nação impõe a sua vontade sobre outra. E é disto que eu hoje vos venho falar.


Irão, pós-Segunda Guerra Mundial: a toda-poderosa Anglo-Iranian Oil Company (AIOC), actual British Petroleum (BP) dominava a indústria petrolífera do país. Sendo a maior empresa no território o seu domínio pesava sobre o país, fazendo com que apenas 26% dos lucros ficassem em mãos iranianas. O próprio Xá da altura tinha sido levado ao poder por influência das Potências Aliadas durante a guerra, forçando à abdicação do anterior por simpatias para com os Nazis. O Irão era como que uma espécie de colónia britânica sem na realidade o ser.
A 15 de Março de 1951 o Majlis (parlamento) votou a nacionalização da indústria petrolífera após o fracasso de negociações que permitissem uma distribuição dos lucros mais vantajosa para o Irão. O primeiro-ministro Haj-Ali Razmara, que se opunha à nacionalização, acabou assassinado por um fundamentalista islâmico.
A 28 de Abril o Majlis elegia, com 79 votos a favor contra 12, Mohammed Mossadegh para o cargo de primeiro-ministro, o qual levou à prática a nacionalização. Os britânicos demonizaram Mossadegh e responderam com um bloqueio no Golfo Pérsico, para que fosse impedido que os “barcos piratas” transportassem “o petróleo vermelho”. Tal provocou uma crise económica no país. Mas, apesar de tudo, Mossadegh mantinha-se popular entre os iranianos, o qual implementou reformas levando ao fim de séculos de exploração feudal do campo substituindo-a por um sistema de agricultura colectiva e propriedade estatal dos terrenos, defendeu a liberdade de culto religioso e de afiliação politica, promoveu eleições livres e tribunais independentes e lutou pelos direitos das mulheres, dos camponeses e dos operários. A tais politicas opuseram-se numerosas vezes o Xá, os cléricos, os militares, os latifundiários e o Partido Tudeh (comunista) assim como os poderes estrangeiros.
Na altura os britânicos viviam o início do seu naufrágio colonial e negaram-se a negociar uma saída para a crise. Por falta de meios suficientes o governo de Sua Majestade viu-se obrigado a partilhar a conspiração para o derrube do primeiro-ministro nacionalista iraniano. A recém-criada CIA teve ao seu dispor um milhão de dólares para orquestrar o golpe, a Operação Ajax, tendo sido esta a primeira vez que os serviços secretos norte-americanos mexeram os cordelinhos para levar a cabo um golpe de estado. Os Estados Unidos estavam totalmente submersos na lógica do conflito geopolítico contra o comunismo e temiam que o Irão entrasse numa deriva sem rumo até ancorar na Praça Vermelha.
Faz hoje, 19 de Agosto, 53 anos que a CIA derrubou um governo de uma democracia emergente. O bater de asas da borboleta derrubou um obscuro governante hoje quase esquecido, mas que a revista Time elegeu como Pessoa do Ano 1951.
Inicialmente o golpe satisfez quer os poderes estrangeiros, quer os poderes locais. Por um lado britânicos e norte-americanos partilharam o petróleo iraniano, por outro o Xá Reza Pahlavi tornou-se o polícia do Golfo Pérsico defendendo os interesses dos seus aliados ocidentais e manteve um regime ditatorial que lhes foi fiel e que incluía a maior polícia politica do mundo fora dos países comunistas, a SAVAK. Nem as suas tentativas de modernização, a Revolução Branca, permitiram ao Xá lavar as suas mãos do sangue dos opositores. Isto levou ao crescimento de um sentimento anti-ocidental que culminou na Revolução Islâmica a qual instaurou a teocracia no Irão, um vez deposto Reza Pahlavi.
E como resultado o Irão dos ayatollahs apoiou movimentos terroristas islâmicos que ainda hoje tiram noites de sono aos mais poderosos do mundo. E agora temos também o programa nuclear iraniano a prometer que não vamos ficar por aqui.
Fica a advertência do risco de não medir as consequências de uma mudança de regime, seja por uma invasão seja por um golpe de estado encoberto. Uma lição a ter em conta também para o que se está a passar no Iraque. Quando a borboleta bate as suas asas não se sabe que vendavais levantam.

1 Comments:

  • At 7:15 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Parabéns Papa Ratzi.
    Belo 'post'.
    É bom haver alguém quem lembre a história para que, através dela, possamos fazer o enquadramento possível dos tristes acontecimentos de hoje...

    Claro que a 'sacro-santa' aliança de americanos e britânicos continua sem aprender nada e vai dando permanentemente razões para o progressivo fortalecimento dos radicalismos torpes que alastram, como cancro, pelo mundo!...

    E nós cá vamos, mais ou menos acarneiradamente, aguentando!!

     

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