Sociedade da desinformação
Os factos de que falo em seguida estão talvez desactualizados. Infelizmente não tive oportunidade de vos escrever antes, devido a dificuldades técnicas.
No passado dia 7 de Abril, às 8 horas, vi o noticiário da SIC. A dada altura foram dadas três notícias numa velocidade vertiginosa e com a brevidade merecida para assuntos de pouca importância. Só que as notícias dadas eram importantes o suficiente para servirem de abertura a qualquer noticiário decente. Tal não aconteceu.
Foram elas: 80 mortos num atentado no Iraque, 72 mortos num naufrágio ao largo do Djibouti e 750 detidos durante confrontos entre manifestantes e a polícia em Katmandu, Nepal. Nessa mesma semana foi dado um destaque muito superior ao príncipe Harry que se envolveu com strip teasers e que dias depois foi graduado na Academia Militar de Sandhurst. Isto apesar do tal príncipe de conto de fodas (sic) estar apenas um pouco acima da nulidade em relação à importância que tem no mundo, fora o facto de qualquer uma dessas notícias o serem duvidosamente. Foram apenas factos meramente pessoais. Isto leva-nos a várias questões, o que é uma notícia? Qual é o critério para dar mais ou menos importância a esta ou aquela notícia?
Como já disse, as tais notícias do dia 7 tiveram um tratamento inferior e passaram desapercebidas para quase toda a gente. Mas bastaria que houvessem ocidentais envolvidos para que o tratamento tivesse uma duração mais longa. E se houvessem portugueses envolvidos talvez qualquer uma delas fosse a abertura do noticiário. Eventualmente talvez até pudéssemos ter a programação interrompida por um daqueles directos que pouco ou nada dizem.
Sem nos apercebermos, os meios de comunicação social vão-nos condicionando o pensamento. Desta forma conseguem com que todos nós pensemos e falemos nos mesmos assuntos, esquecendo outros. Isto até pode mesmo chegar ao nível da manipulação de massas. Por exemplo, fomos todos manipulados para defender a independência de Timor-Leste. Era sabido há muito que os timorenses eram um povo oprimido por uma outra nação ocupante. Mas fechavam-se os olhos. Subitamente Timor-Leste tornou-se uma causa nacional, transmitida diariamente na televisão e na voz do nosso povo. Pelo menos aqui parece-me que a manipulação até foi em nome de uma causa nobre, mas e se não fosse? A libertação de Timor-Leste foi defendida com o mesmo vigor com que se ignorava a opressão que muitos outros povos pelo mundo inteiro sofrem (tibetanos, chechenos, maias de Chiapas, etc.).
Mais recentemente, foi a questão dos cartoons de Maomé. Os media passaram-nos a imagem de que os muçulmanos são um povo bárbaro, intolerante. Muitos sem dúvida que o serão, tal como nós, no entanto nada se falou acerca daqueles mesmos muçulmanos que achavam que toda esta questão era uma tolice. E eles existem.
O condicionamento do nosso pensamento e opiniões existe e é do interesse de muitos poderosos. Justifica-se assim os esforços feitos em apresentarem-nos inimigos (muçulmanos, iranianos, chineses, etc.) e em associarem um certo grupo a um certo mal: muçulmanos=terroristas, chineses=concorrência desleal, iranianos=perigo nuclear, por exemplo. Condiciona-se o nosso pensamento para activar a luta contra os efeitos e de forma a esquecermos ou ignorarmos as causas. Gastam-se muitos milhões na luta contra o terrorismo (efeito), um mal que causa todos os anos muitos milhares de mortos e feridos. Gasta-se tão pouco para eliminar as suas causas (pobreza, iliteracia, injustiças várias, fome, corrupção, etc.). Faz-se tanto dinheiro em venda de armas para guerrear países distantes quando tantas vezes, para mantermos a nossa forma de viver, somos cumplices de um sistema económico baseado na exploração do próximo e que directa ou indirectamente causa muitas mais vítimas que o malfadado terrorismo. Sistema económico esse que contribui para a fome e pobreza de milhões de pessoas ou para a opressão de outras tantas. Este condicionamento funciona como uma espécie de censura súbtil para todos nós, pensamos naquilo que nos é dado para pensar.
Vivemos uma época em que estamos submersos em informação. De tal forma submersos que nem temos tempo para processá-la nos nossos cérebros e muito menos verificarmos até que ponto este ou aquele facto nos foi dado ao jantar com todos os seus condimentos. É paradoxal que hoje temos acesso a tanta informação mas as fontes serem tão escassas. Estamos tão informados quanto desinformados. E se esta semana todos os noticiários abrirem e fizerem longas reportagens acerca do genocídio na Sildávia, vamo-nos todos preocupar com os desgraçados dos sildávos que apenas existem nos livros do Tintin.
5 Comments:
At 11:01 da tarde, Anónimo said…
"do tal príncipe de conto de fodas (sic)" sitas quem???
At 12:58 da tarde, Chakal said…
Grande post Papa Ratzi, comentário de jeito para isso ia ocupar muitas páginas...
É sabido que a (des)informação é consequência da guerra de audiências. Desde que os directores de informação perceberam a lógica de marketing das notícias que nós somos tratados não como cidadãos em busca de conhecimento da realidade acerca do nosso país e do mundo, mas sim o "público-alvo" da estratégia de venda dos periódicos noticiosos. Assim, em vez de notícias temos uma "ficção baseada em factos verídicos" (tipo dramas da TVI), em que ou há tragédia (chorosos familiares de Entre-os-Rios) ou há acção (os GI Joe Americanos contra os Mujahedines maus). É a lógica cinematográfica a apoderar-se de um ramo que se pretende isento.
Ao ler isto ecoa o excelente trabalho da Lennie Riefenstall (desculpam se não se escrever assim), em que as notícias sobre a Alemanha eram transformadas numa poderosa máquina publicitária e perversora de mentes ao serviço do Reich. Felizmente, hoje em dia, o objectivo final não é alimentar uma máquina de guerra (ou será que é?!?)
At 5:24 da tarde, Anónimo said…
Há umas semanas atrás, foi noticía de telejornais e jornais que o Courier Internacional publicava um "artigo de investigação" sobre as vantajens da energia nuclear.
Não é estranho que eles façam publicidade à concorrência?
Qual é a novidade do Courrier publicar artigos de investigação?
Não vejo qual o interesse jornalístico de tal notícia para aparecer em vários telejornais e jornais!
Pois, interesse jornalístico eu não vejo, mas interesse económico dos grupos que controlam a informação eu vejo muito.
At 5:23 da tarde, Papa Ratzi said…
Anónimo: não "sito" ninguém. Usei sic para indicar que a palavra "fodas" era para ser assim mesmo.
Chakal: muito bem observado. Gostei muito do teu comentário.
-Grilo: hei-de visitar os blogues que aconselhaste. Obrigado.
At 7:19 da tarde, Anónimo said…
Acho que o teu problema foi estares a ver a SIC! Podia ter sido pior...a TVI! O telejornal da 2 é o melhor seguido de muito perto o da RTP1!
Dizer que há Ocidentais "bárbaros" tal como há no mundo Árabe é correcto, mas existem algumas pequenas-grandes diferenças. Os nossos "bárbaros" não são em tão grande número e não se põem a incendiar embaixadas, sedes de Organizações Não Governamentais, a raptar e a matar pessoas por causa de meia dúzia de Cartoons. Mas concordo com uma coisa, devia-se ter dado + importância a árabes que discordavam dos actos violentos.
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