Plano demagógico
Portugal é um país que gostaria de ser outro. Quando era criança ouvia familiares e amigos emigrados a falar do estrangeiro como se de uma terra prometida bíblica se tratasse. Bem mais crescido quiseram fazer do meu país um país à imagem e semelhança da Irlanda, sonho rapidamente esquecido até que José Sócrates vindo de uma visita à Finlândia decidiu mudar de sonho em nome da modernização nacional.
A ideia de imitar um país estrangeiro para dar um salto para a modernidade nem é nova nem é original dos nossos políticos. O czar Pedro I o Grande (1672-1725) fê-lo na Rússia, o imperador Mutsuhito (1852-1912) copiou os ocidentais e arrancou o Japão da Idade Média para o levar para a modernidade desferindo a primeira grande derrota militar asiática contra uma potencia europeia desde Gengis Khan, Mustafa Kemal Atatürk (1881-1938) levou a Turquia do sultanato histórico para uma modernidade ocidentalisante mais laica que muitos países europeus, finalmente Mao Zedong (1893-1976) quis equiparar a China em tempo record às principais potências ocidentais durante o seu Grande Salto em Frente, de eficácia duvidosa diga-se. Mas todos eles tinham um ponto em comum, não viviam em democracia. Se vivessem talvez tivessem perdido todo o seu tempo em discussões e tricas partidárias que fariam falhar os seus choques tecnológicos.
De regresso da Finlândia, Sócrates decidiu-se a trasladar esse país escandinavo para a Península Ibérica. Vinha maravilhado com o que viu. Uma boa escolha, parece-me.
Gostemos ou não este governo tem-se revelado o mais reformador em muito tempo no nosso país. Mas nem tudo são rosas. Pretende transformar o nosso sistema de ensino da noite para o dia, mas esquece-se de dar as condições físicas necessárias para o poder fazer. Quer tornar os trabalhadores portugueses mais competitivos e produtivos, mas esqueceu-se de falar acerca de como se relacionam entre si, na Finlândia, o patronato, os empregados e os sindicatos. Em vez disso multiplicam-se as formas de lesar os direitos dos trabalhadores. Quer pôr toda a gente a mexer nos computadores e a falar inglês, esquecendo-se de que os computadores não estão ao alcance da bolsa de qualquer um assim como o facto do inglês não ser necessário para a maioria dos trabalhadores na sua vida laboral. Pois num país em que supostamente há demasiada gente com excesso de habilitações restam apenas empregos não especializados e temporários.
Desculpe lá, senhor Sócrates mas o seu plano parece-me mais demagógico que tecnológico. Pretende fazer mudanças radicais sem dar tempo à mudança de mentalidades. Para a maioria das pessoas que eu conheço o plano tecnológico passa por aprender informática para saber como é que se pirateia música, filmes ou jogos na Internet, para a grande parte dos empresários o plano tecnológico passa por dar uma imitação de formação aos empregados como forma de sacar dinheiro de subsídios e passa por comprar equipamentos em segunda mão querendo que estes dêem o mesmo rendimento que equipamentos novos à custa de maiores gastos na manutenção. É como dar umas quantas kalashnikovs a uma tribo de canibais da Papua Nova Guiné.
Pretende-se uma mudança rápida mas ao sabor dos calendários eleitorais. Deles dependerá o futuro do plano como deles dependeu o sonho irlandês.
Se a Finlândia e os restantes países escandinavos conseguiram o nível de desenvolvimento que nós invejamos foi apenas possível porque esse desenvolvimento foi independente de quem ocupava a cadeira do poder. E certamente não dependeu de calendários eleitorais nem foi feito em cima do joelho como quase tudo se faz em Portugal. Foi conseguido à custa de muito trabalho e seriedade ao longo de décadas.
Desculpe-me, senhor Sócrates, o meu pessimismo, ou na melhor das hipóteses o meu cepticismo. Você atira-nos para os olhos, como quem atira areia, a Finlândia. Basta-me olhar em redor para ver que na realidade pretende copiar a China. E isso todos nós dispensamos.
5 Comments:
At 12:32 da tarde, Eric Blair said…
Não obstante a prosa, uma imagem vale mil palavras.
Está absolutamente brilhante.
At 7:09 da tarde, Anónimo said…
Concordo. Primeiro há que mudar a mentalidade dos Portuguese, sejam eles Empresários, Politicos, Operários ou Agricultores. O cerne do problema para mim é só um: Só se olha para o próprio umbigo!
Não se quer saber sobre o bem estar da Nação e há uma crescente indiferença sobre o que é pertencer a um País e ter orgulho dele (e se não tiver orgulho, lutar para voltar a ter)
Não se quer saber da empresa onde se trabalha o que interessa é que dê o salário ou o lucro do investimento, seja qual for a situação da empresa. Não se fazem projectos a médio-longo prazo - O Tuga quando investe quer lucro JÁ! - O politico promete mundos e fundos e "trabalha" que nem um louco para chegar ao poleiro mas quando lá chega fica realizado a tentar chupar o máximo da Teta da Nação, em vez de entender que o seu trabalho agora é que tinha começado.
Mas como mudar esta "Mentalidade Portuguesa"? Sinceramente não sei, vejo estas situações e mais algumas todos os dias e revolta-me, como é possivel serem tão estúpidos? O chico-espertismo é um orgulho nacional, quando devia ser uma vergolha...talvez escrever isto ajude em alguma coisa.
At 11:30 da tarde, Mac Adame said…
Está tudo dito e muito bem dito. Pouco mais poderei dizer, a não ser apresentar uma sugestão. Já que o gajo gosta tanto da Finlândia (lá bom gosto, tem), a melhor coisa que podia trazer de lá era uma dúzia de finlandeses para administrarem Portugal. Talvez assim...
At 12:11 da manhã, Anónimo said…
Isso é um sonho antigo meu amigo...um sonho antigo...
At 9:14 da tarde, Cão com Pulgas said…
Brilhante!
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