Orgulho nacional

Numa época em que se fala constantemente na falta de autoconfiança do povo português convém lembrar que, ocasionalmente, nós até temos orgulho em nós mesmos. Por exemplo, no ano passado, enchemo-nos de orgulho pelo Euro 2004 e lá fomos enchendo todos os sítios possíveis e imaginários com a nossa bandeira. Mas recordo-me que assim que surgiram os primeiros azares no jogo ouvi alguns dizerem que iam retirar a bandeira do local onde a tinham colocado. É assim o português, que mais do que o futebol, tem como desporto nacional falar mal do seu próprio país (é o pior de todos, é o ultimo em tudo e por aí adiante). Até o candidato Cavaco fica chocado quando vê o seu país a ser ultrapassado pela Grécia. Fica inconsolável, coitado.Somos o povo da saudade e do fado, os mais desgraçados dos desgraçados e só nos resta chorar pelos cantos.
Orgulhámo-nos com a independência de Timor Leste, que durante algum tempo se chamava Timor Loro Sae. Há algum tempo atrás falou-se que a princesa Stéphanie do Mónaco tinha um namorado português, um tal fulano circense do qual nunca mais se ouviu falar. Mais tarde falou-se na possibilidade da primeira dama dos Estados Unidos poder vir a ser uma portuguesa de origem. Não foi, azar para o mundo inteiro.
Outro momento de orgulho nacional foi a Expo 98. Todos os dias ouvíamos falar nela como se nada mais se passasse no país e no mundo. Por outro lado sei que até não era assim tão conhecida no estrangeiro, a julgar pelos meus contactos mundo fora. Muitos não tinham ouvido sequer falar no referido evento! Digamos que foi um momento de orgulho para consumo interno.
Sempre que cheira a Portugal, nas notícias, mesmo que remotamente, apanhamos por tabela directos na televisão. Cheias no Luisiana, ora toma com um português, maremoto no Sudeste Asiático, toma lá com outro, queda de viaduto em Espanha, sai mais um português, oh freguês.
Orgulhamo-nos de estar por todo o lado esquecendo-nos que estamos por todo o lado porque o nosso país nos obrigou a isso.
Se calhar até teremos outros motivos de orgulho sem sequer imaginarmos. Quantos pares de calçado italiano sairão do Vale do Ave? Quantas peças de automóveis de luxo alemães sairão de moldes da nossa cidade e serão cá mesmo injectadas?
Um dia o Homem deixará a sua pegada em Marte. Se calhar a quarta camada de couro do fato italiano do astronauta apátrida, separada da terceira e da quinta por um polímero alemão, transportado por uma nave americana a qual será pilotada por um russo com uns comandos de tecnologia japonesa, lançado para o espaço a partir de Kourou, na Guiana Francesa. Se calhar, dizia eu, terá sido cosida por uma criança do Vale do Ave às escondidas dos inspectores. Poderemos de novo orgulhar-nos, pois a conquista do espaço terá um sabor a fado e saudade.
Posso-vos mencionar outro motivo de orgulho. A Wikipedia, a maior enciclopédia na internet (e que até foi recentemente banida na República Popular da China por ser incómoda ao poder), sabe que nós não somos uma província de Espanha. Como tal, até tem uma entrada acerca daquela característica tão nacional que é o desenrascanço. Orgulhemo-nos.