No país do lusomerdismo

Vivemos uma época impar na história do nosso país. Depois de alguns anos de vacas gordas e autoconfiança nacional (ele era a indepêndencia de Timor Leste, a Expo 98, o Euro 2004 e por aí adiante) eis-nos numa conjuntura deveras negativa em que se instalou o lusomerdismo.
E o que é o lusomerdismo? Não encontrarão a sua definição em qualquer bom dicionário mas bastará dois dedos de conversa com qualquer português para o sentir.
O lusomerdismo é simplesmente aquele sentimento colectivo do português em que passa o tempo a falar mal do seu próprio país e a fazer comparações com países que nunca visitou e dos quais pouco sabe. O lusomerdismo é a falta de autoconfiança generalizada que leva os portugueses ao fatalismo de dizer que vive no pior país do mundo mas que nunca toma uma posição para mudar a situação. O lusomerdismo é a acomodação ao que há de negativo justificada pela ideia que nada vale a pena fazer para mudar a situação.
E o pior é que o lusomerdismo tem o beneplácito daqueles que têm mando, seja ele político ou económico. Enchem-nos os ouvidos de que o português não é produtivo quando se teima em dizer que o é no estrangeiro. Enchem-nos os ouvidos de que nós ganhamos demasiado para aquilo que produzimos enquanto se esquecem que a produtividade passa sempre também pela capacidade dos empresários de estimularem os seus colaboradores (neologismo para assalariados ou proletariado), pela capacidade de organização, visão e gestão desses empresários.
Para se ser um bom lusomerdista basta passar o tempo a falar mal sem apresentar alternativas ou ideias, basta ter a oportunidade de fazer algo e não tomar nenhuma atitude, basta colocar todos os políticos no mesmo saco para justificar o analfabetismo político de que Bertold Brecht falava e preferir a praia, os copos ou a ida ao hipermercado da área de residência para faltar ao acto eleitoral.
Até já se tornou um chavão na boca à Mick Jagger de uma conhecida apresentadora de noticiários de uma das principais cadeias de TV nacionais quando diz que "só mesmo neste país".
Só mesmo neste país? Por acaso têm contactos com outras realidades quando passam a vida sem se informarem de como decorre a vida noutros países ditos desenvolvidos? E mesmo os reletivamente poucos que fazem férias no estrangeiro será que têm a capacidade de analisar com olhos de ver os países que visitam? Corrupção só em Portugal? Olhem para a Itália. Crise económica só em Portugal? Deem uma volta pela Europa. Estradas esburacadas e portagens só em Portugal? Atravessem a fronteira e vejam com os próprios olhos o país de nuestros hermanos.
À medida que a desilusão se instala vão-se abrindo brechas nas nossas instituições democráticas (boas ou más). Sente-se a nostálgia de um poder paternalista e musculado, sente-se um espírito de 1926 para resolver tudo o que vai mal. Hão-de-se arrepender no dia em que "Deus, Pátria, Família" regressar com o aplauso dos lusomerdistas convencidos que se vai mudar para melhor. Disse alguém que o poder corrompe e que o poder absoluto corrompe absolutamente.
Vivemos no país das oportunidades perdidas. Quando tivemos naus em todos os mares, o ouro e diamantes do Brasil ou os fundos da CEE preferimos torrar esse dinheiro no acessório esquecendo o que realmente era importante. Mas ainda não é tarde. Não pode ser.